janeiro 26, 2013

do all-star



Quando eu era criança pequena lá em Barbacena usei botas ortopédicas durante uns bons anos. Pés chatos. Retos. Completamente chapados. Foi desde o início das minhas peripécias andarilhas. As botas eram horríveis, desconfortáveis, totalmente out. Todas as princesas com sapatinhos de laço glamourosos e eu, gatinha vira-lata, enfiada em minhas botas ortopédicas. Se bem que nem invejava tanto os sapatos das princesas, mas ah! como eu queria poder usar tênis! Mais especificamente, como eu sonhava calçar um all-star!

A culpada como sempre, a televisão. Se bem que quem me deu a maior força mesmo foi a Tina Turner, (que eu já amava). Era ela aparecer no comercial calçando o dito cujo e dizer: "I love all-star!" pra eu me desmanchar toda. Quando o ortopedista viu que já formara uma cavinha nos pés, muito pouquinha mesmo, quase imperceptível, deve ter notado que eu não tinha jeito mesmo e me liberou do castigo. Já podia me ver dando um rolê com a Tina e nossos respectivos all-stars.

Mas nem foi assim. Perceba, numa cidade do nordeste, início dos anos 80, não era fácil (nem barato) conseguir um all-star. Sempre tinha imitações, identificadas pelo número de ilhoses na lateral. Profunda admiradora do chuck taylor, eu conhecia todos os detalhes (porque lia tudo, não tinha internet, doh) e recusava imitações. Como minha mãe era/é minha mãe eu simplesmente não tinha autonomia. E tinha que calçar o que ela escolhia.

Demorou, mas aos 10, minha mãe me levou as compras. Caçula numa casa cheia de irmãs é foda. Era sempre uma usando as coisas das outras. Nesse dia mágico eu tive autonomia pra escolher roupas e mais roupas como EU quisesse e claro, meu primeiro all-star! Sorry for the delay, Tina. Preto, lindo e com o número exato de ilhoses na lateral. E foi o primeiro de sei lá quantos.

Agora mesmo estou olhando para um, cano extra longo, número certinho de ilhoses. Cruelmente abandonado. Ainda amo all-star, mas já saturei de responder que não, não sou emo, já passei da idade e do peso, obrigada.  

As provas:

janeiro 25, 2013

do irmão morto

(daqui)

Eu tinha 3 anos quando o irmão mais querido por todos morreu. Ele tinha apenas 18, o primogênito.
Tá, eu era a caçula e como toda caçula, era zoada pelos mais velhos. Mas ele zoava muito menos que os outros.

Lembro dele chegar do trabalho e me agarrar e me jogar pra cima. Lembro que ele sempre dançava com minha mãe. Lembro que ele gostava de cafuné. Lembro que eu fazia cafuné pra ele dormir, daí eu aproveitava e sacava uma bic e fazia uma arte em suas costas.
Meu outro irmão diz que numa noite de Natal descobriu que ele era o papai noel que deixava os presentes embaixo da cama de cada irmão. Ele tinha esse cuidado, não nosso pai.

Quando tudo aconteceu, eu obviamente não entendia nada. Tantas pessoas em casa chorando e eu de vestido amarelo, anunciando a cada pessoa que encontrava que meu irmão tinha morrido. A ficha só caiu lá pelos 9-10 anos.

Foi numa noite de Natal.

janeiro 24, 2013

da mais remota


Achei conveniente começar um blog de memórias com a mais remota de todas.

Eu devia ter uns 3 anos. Gostava de deitar ao sol, a luz penetrando em meus olhos fechados, formando imagens abstratas e coloridas, sem que eu precisasse sequer imaginar algo. Minha mãe, ao lado, lavava roupa. Fitas amarelas que eu costumava usar no cabelo, estavam no varal, ao sabor do vento. Dançavam uma música que tocava no rádio, sempre presente:

One day in your life, you'll remember a place, someone touching your face...

Sempre bom lembrar uma época em que eu não era obrigada a me comportar como uma vampira...